Resenhas dos Artigos

Resenhas dos Artigos

Lei de Improbidade Administrativa Reformada

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

Com participação do corpo técnico do escritório Dal Pozzo Advogados

Brevemente uma obra sobre a Nova Lei de Improbidade Administrativa será publicada pela Revista dos Tribunais, contendo artigos de vários estudiosos e juristas, dentre os quais aqui destacamos os que integram o corpo jurídico do escritório Dal Pozzo.

Sobre a Indisponibilidade de Bens na Lei de Improbidade Administrativa, escreveram Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo e Mário Henrique de Barros Dorna, que iniciam suas reflexões traçando um panorama legal sobre os atos de improbidade administrativa a partir da Constituição Federal de 1988. Em seguida, percorrem as normas do Código de Processo Civil a respeito das tutelas provisórias, pois nova redação da Lei de Improbidade Administrativa alterou substancialmente o sistema da lei revogada: tornou ultrapassada a concepção reinante na jurisprudência, que entendia não ser necessária a demonstração do perigo da demora, passando a exigir a presença dos tradicionais requisitos das medidas cautelares, isto é, do fumus boni iuris e do periculum in mora, para a decretação da indisponibilidade de bens. A nova lei também reestabeleceu limites ao prever, textualmente, que não pode ser incluído o valor da multa civil para efeito de indisponibilidade de bens e ela somente alcançará o quantum referido na petição inicial do Ministério Público e atribuído a cada sujeito passivo, até porque também não há responsabilidade solidária pelo valor do somatório dos pedidos cumulados. A nova lei inovou ao estabelecer a ordem dos bens a serem indisponibilizados de maneira distinta da que prevê o Código de Processo Civil. Novas regras sobre a indisponibilidade e o litisconsórcio passivo são bem analisadas, assim como o que a lei nova chama de indisponibilidade de bens de terceiro e o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Interessantes reflexões a respeito da pessoa jurídica como coautora do ato de improbidade administrativa colocam novas luzes a respeito dessa delicada questão, para se saber quando ela pode ser responsabilizada pelo ato ilícito. Também a questão da substituição da garantia real, que tantas vezes foi recusada no passado, é revisitada em face das novas disposições legais. Os autores examinam as causas de indeferimento da medida de indisponibilidade e o recurso cabível. O artigo traz recentíssimas decisões sobre os temas destacados, de maneira que será de grande utilidade não apenas para entendimento acadêmico do instituto como também para sua utilização prática.

Os mesmos autores (Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo e Mário Henrique de Barros Dorna) escrevem sobre a Prescrição na Nova Lei de Improbidade Administrativa, tema que recebeu uma nova disciplina jurídica, com implicações complexas, que eles desembaraçam e cuidam de dar aplicação prática. A aparência simples das normas engana: elas formam um sistema equilibrado, muito superior ao antigo, mas exige cuidados hermenêuticos trazidos à luz pelos autores. A vinculação estreita entre o instituto da prescrição e o Estado de Direito é um ponto de partida fundamental, pois este exige segurança jurídica e defesa da confiança legítima — cujos princípios constitutivos se espraiam por todo o Direito e se conectam formando uma rede de interações onde se destaca a prescrição. O conceito e a natureza jurídica da prescrição são examinados detidamente. Também é passada em revista a jurisprudência dos Tribunais Superiores referente à imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário, tese com a qual os autores não concordam. A prescrição suscita importantes questões de direito intertemporal: a irretroatividade da lei e situações protegidas (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada); a retroatividade da lei benigna. A caracterização da prescrição como de natureza processual (como preferem os autores) conduz à aplicação imediata do instituto aos processos pendentes. São analisadas as hipóteses de aplicação da prescrição normal (de oito anos) e da prescrição intercorrente (de quatro anos), tendo em vista a única causa de suspensão previstas e as inúmeras causas de interrupção do lapso prescricional, bem como as hipóteses de contagem da prescrição intercorrente. O artigo tangencia a prescrição e o ato de improbidade administrativa praticado por vários agentes e casos conexos, a sentença (de mérito) que reconhece a prescrição, assim como a relação entre os prazos para o inquérito civil e a prescrição. Como se observa, pela simples enumeração dos itens abordados, a prescrição não é um tema simples e a leitura do artigo certamente motivará o leitor a refletir sobre a matéria e o ajudará a melhor aplicar a lei.

Augusto Neves Dal Pozzo, Percival José Bariani Junior e João Negrini Neto enfrentaram o tema O Regime Jurídico do Acordo de Não Persecução Civil na Lei de Improbidade Administrativa, a partir do exame das origens do instituto, ressaltando que esse ajuste foi considerado, por muito tempo, como antípoda à tutela do interesse público, que não poderia ser satisfeito mediante transações. Todavia, esse pensamento acabou cedendo lugar ao entendimento de que o litígio pode ser mais nefasto ao interesse público que o acordo. Examinadas as marchas e contramarchas do instituto na legislação, chega-se à edição da Lei nº 14.230/2021, que modificou a Lei de Improbidade Administrativa e o introduziu definitivamente em nossa ordem jurídica. Hoje a Lei de Improbidade Administrativa traz requisitos e condições legais para os chamados ANPC — Acordos de Não Persecução Civil, os quais são examinados, um a um. O ressarcimento integral do dano recebe justas críticas dos articulistas. Em primeiro lugar, porque contraria o espírito do Código de Processo Civil — que à Lei de Improbidade Administrativa se aplica subsidiariamente — pois a legislação codificada busca alcançar acordo entre as partes de qualquer maneira. Presente essa orientação do nosso principal sistema processual, ponderam os autores que, diante da impossibilidade de o réu ressarcir o valor total do dano, deveria ser permitido um ajuste parcial. Apesar dessa omissão, os autores afirmam que a nova LIA trouxe melhores normas para a avaliação dos danos, e, ainda, muito bem-vinda exclusão da multa e o desconto do valor do serviço prestado ou da obra realizada, evitando-se o enriquecimento ilícito da administração, compensação que, todavia, a jurisprudência nem sempre admitia. Quanto à necessidade de ser ouvido o Tribunal de Contas a respeito do valor do acordo, entendem os autores que o prazo é por demais exíguo (90 dias). Entendem que, vencido esse lapso temporal, deverá prevalecer o valor apurado pelo Ministério Público e aceito pelo réu: o ANPC não poderá ser questionado a esse respeito, por força do princípio da confiança legítima. Segundo os articulistas, a Lei de Improbidade Administrativa deveria ainda prever que o acordo impediria outra condenação administrativa pelo mesmo fato, inclusive pelo CADE. Assinalam que os requisitos exigidos pela Lei de Improbidade são exigências mínimas, o que significa que as normas jurídicas elaboradas pelo próprio Ministério Público poderão impor outras exigências. Criticam a necessidade do ente federativo lesado se pronunciar, pois a legitimação exclusiva do Ministério Público para a ação por ato de improbidade administrativa o torna substituto processual daquele ente e, por dispor de independência funcional, àquele não está vinculado. Todavia, os autores entendem que se o ANPC for ilegal o ente lesado poderá propugnar pela sua ilegalidade. A necessidade de homologação do acordo pelo órgão competente do Ministério Público não seria necessária sempre que celebrado em instância judicial, bastando, então, a homologação pelo juiz. Porém, aplaudem essa homologação se o ANPC for celebrado em instância extrajudicial, para maior segurança e controle. Partindo da premissa que as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa são de natureza administrativa e, pois, que devem estar em consonância com as finalidades protetivas do interesse público, que caracteriza o Direito Administrativo, concluem que a possibilidade de se realizar o acordo atende a esse escopo: “O interesse público não se exprime somente com a imposição de sanções. Em muitas oportunidades, o interesse público pode (ou deve) ser alcançado a partir de acordos de não persecução”. Essa visão geral do artigo evidencia a sua utilidade doutrinária, a iluminar os caminhos da prática forense.

Evane Beiguelman Kramer enfrentou o tema O Novo Codex Processual da Lei 8.429/92. Os principais pontos e questões processuais que agora constam da nova Lei de Improbidade Administrativa são examinados com grande percuciência. Nesse novo panorama legal, o Ministério Público surge como dominus litis exclusivo e o rito procedimental será o comum, previsto no Código de Processo Civil. A lei fixa competências concorrentes entre o foro do local em que ocorreu o ilícito e o foro da sede da pessoa jurídica prejudicada. Acolhe o instituto da conexão para efeito de reunião de processos. A petição inicial mereceu especial atenção, com referência (pedagógica) aos requisitos do art. 319 do Código de Processo Civil. Regras esparsas são muito mais exigentes quanto à formulação da causa de pedir, devendo o autor individualizar o enquadramento das condutas num único tipo de ato de improbidade administrativa, evidenciar o dolo e, se for o caso, estimar o dano ao erário atribuível a cada sujeito passivo da ação. Desde logo, na inicial, pode o autor solicitar audiência para tentativa de conciliação. Conquanto o autor da ação seja o Ministério Público, acentua a Nova Lei que ele deve respeito aos princípios da boa-fé processual. O agravo de instrumento se torna recurso cabível contra todas as decisões interlocutórias. A nova redação reafirma o princípio do ne procedat iudex ex officio, vinculando o magistrado à causa de pedir do autor — matéria que já seria assim determinada pelo ordenamento jurídico, mas que, didaticamente, o legislador quis deixar expressamente disciplinada. Também a Lei de Improbidade Administrativa amplia as causas de nulidade da sentença, considerando a especificidade da ação por ato de improbidade administrativa. O instituto da intervenção de terceiros está previsto e disciplinado. O réu tem o direito de ser interrogado. A Nova Lei traz para seu âmbito de incidência a desconsideração da personalidade jurídica. No que tange ao dispositivo que permite ao juiz “reclassificar” a ação por ato de improbidade administrativa, caracterizando-a como ação civil pública, várias questões são levantadas pela articulista, que levam o leitor a meditar mais profundamente sobre o tema. Ressalta que não houve alteração quanto ao sistema dos honorários advocatícios sucumbenciais, embora, segundo a autora, o legislador devesse ter alterado a antiga sistemática, pois agora, definitivamente, a ação por ato de improbidade administrativa se desvinculou da ação civil pública, a cujo regime o sistema anterior era adequado. A processualista consegue enfocar e desvelar os pontos mais importantes de natureza processual na Lei de Improbidade Administrativa.

Paulo Henrique Triandafelides Capelotto e Roberto Ricomini Piccelle, este último não integrante do Dal Pozzo Advogados, escrevem sobre A Exclusão da Culpa nos Casos de Dano ao Erário e as Consequências da Lei no Tempo. Começam por elogiar o legislador, que excluiu a modalidade culposa para a prática do ato de improbidade administrativa, mas de pronto levantam a questão de Direito Intertemporal, formulando a seguinte indagação: “a exclusão da culpa do tipo previsto no art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa (casos de danos ao erário) deve ser aplicada retroativamente ou deve ser materialmente reservada para os casos ocorridos após o advento da novel legislação? Frisam, de início, que segundo a jurisprudência anterior, apenas a culpa grave deveria justificar a tipificação do ato de improbidade administrativa, matéria hoje ultrapassada pela lei, que exige o dolo. No entanto, mesmo antes das alterações da Lei de Improbidade Administrativa, e especificamente no contexto do direito administrativo sancionador, escrevem os autores que há muito o Superior Tribunal de Justiça reconheceu, corretamente, que “(…) o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador”. Assim, os autores concluem pela aplicação retroativa da lei mais benéfica, mas apontam outra questão relevante: “haveria, afinal, uma espécie de abolitio (criminis) da hipótese de improbidade lastreada na culpa grave do agente?” E eles assim respondem: “em consequência, havendo a abolição da forma culposa para a imposição das sanções, não apenas para as condutas posteriores ao advento da inovação legislativa, isto é, a partir de 25 de outubro de 2021, mas para todos os atos que pudessem ser enquadrados como ímprobos em momento anterior à referida data e que teriam ensejado a condenação do agente público e dos particulares que houvessem concorrido para o ato”. As conclusões dos autores são muito importantes e com certeza o leitor que opera na área de improbidade poderá colher preciosas indicações para seu trabalho forense.

Raphael Leandro Silva e Diego Farah Ferrero também examinam a questão da indisponibilidade de bens (Da medida de indisponibilidade de bens após a entrada em vigor da Lei nº 14.230/21). Dadas as profundas alterações sofridas pela Lei nº 8.429/92 na área examinada pelos articulistas, estes principiam recordando a antiga concepção jurisprudencial, segundo a qual em matéria de indisponibilidade de bens o periculum in mora estava implícito, de maneira que bastava, para seu deferimento, a sua mera probabilidade teórica. Mas, com a nova lei, esse entendimento restou superado — agora estamos no campo das tutelas provisórias de urgência e não mais, como se dizia, na esfera da tutela de evidência, que justificava a linha da jurisprudência dominante: agora se exige o fumus boni iuris e a probabilidade de dano para o resultado do processo, ao teor do art. 300 do Código de Processo Civil. Depois de discorrerem sobre esses requisitos, advertem os autores sobre o disposto no art. 296 do Código de Processo Civil (revogação ou alteração da medida a qualquer tempo) e oitiva do réu em cinco dias, salvo se essa providência puder comprometer a realização da própria medida. A indisponibilidade, de outro lado, poderá ser deferida inaudita altera parte. Recordam, ainda, da elogiável disposição da nova lei que exclui o valor da multa do quantum a ser indisponibilizado. Os articulistas realizam exame meticuloso sobre a possibilidade de substituição da indisponibilidade de bens por seguro-garantia, que anteriormente quase sempre era indeferida pelos juízes. Eles também examinam a delicada questão da responsabilização de sócio de pessoa jurídica. Consideram a ordem de bens preferenciais para a indisponibilidade e a ponderação judicial sobre os efeitos práticos da decisão, linhas diretivas da nova lei, tendo em vista episódios recentes e conhecidos nessa área. Por fim, concluem os autores que “da leitura da nova lei é possível verificar a preocupação do legislador em definir melhor os requisitos e a forma de aplicação da medida [de indisponibilidade de bens], evitando, assim, a prolação de decisões arbitrárias, muitas vezes embasadas em conceitos jurídicos indeterminados e sem levar em conta os efeitos práticos do deferimento da medida, prejudicando, muitas vezes, a prestação dos serviços públicos”.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar 04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411 70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF Telefone: +55 61 3033-1760

Solidarismo — Uma Doutrina Esquecida

Solidarismo — Uma Doutrina Esquecida

Solidarismo — Uma Doutrina Esquecida

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

Para o criador do solidarismo este não era uma via intermediária, um meio justo, entre o socialismo e o liberalismo, mas uma via superior

Olivier Amiel, Doutor em direito pela faculdade de Aix-en-Provence, publicou um artigo (encontrável na Internet) chamado “O Solidarismo, uma doutrina jurídica e política francesa de Léon Bourgeois para a V República” [1], mostrando que essa doutrina ao tempo em que foi adotada, foi “esquecida” em França – seus princípios se repercutem nos textos legais de hoje, mas sem conexão direta com a doutrina de Léon Bourgeois.

Como resume aquele autor, “O solidarismo de Léon Bourgeois ilustra a vontade francesa de encontrar uma doutrina jurídica e política acima do socialismo e do liberalismo. Fortemente associada à história da República Francesa, a maioria das pessoas considerou que o solidarismo não poderia sobreviver. Embora sem reconhecimento oficial, ainda tem grande influência na doutrina jurídica francesa e no discurso político”.

Para o criador do solidarismo este não era uma via intermediária, um meio justo, entre o socialismo e o liberalismo, mas uma via superior. Seu solidarismo é substancialmente fundamentado num princípio de dívida moral: “o homem vivendo em sociedade, e não podendo viver sem ela, a todo instante é um devedor em relação a ela. Ali está a base de seus deveres, a carga de sua liberdade” (apud artigo citado).

A adoção do princípio se manifesta, por exemplo, no preâmbulo da Constituição Francesa de 27/10/1946, quando fala em garantir a todos, “a proteção da saúde, a segurança material, o repouso e o lazer. Todo ser humano que, em razão de sua idade, de seu estado físico ou mental, de sua situação econômica, se encontre incapaz de trabalhar tem o direito de obter da coletividade os meios apropriados de existência”.

Por fim, Olivier Amiel critica a fórmula “socialismo liberal”, tantas vezes usada em lugar de “solidarismo” porque essa designação é imprópria para nomear uma teoria que pretende ultrapassar justamente as teorias que os dois termos designam e que entram na sua denominação.

No Brasil pouco ou quase nada se fala desse princípio geral, como justificador de orientação constitucional, legal e jurisprudencial.

Basta uma leitura do Preâmbulo de nossa vigente Constituição Federal para concluirmos que o solidarismo permeia seus princípios e ele próprio pode ser havido como princípio não expresso, mas vigente, no nosso sistema constitucional.

Ideologicamente, porém, está completamente esquecido.

O que se tem feito para garantir os direitos sociais tão entusiasticamente enumerados no sexto artigo da Carta da República (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados)?

Quase nada!

É que a vontade política dos nossos três poderes se inclina, por orientação da maioria, não de todos, em sentido oposto ao solidarismo; para uma visão ultraliberal, altamente predatória, que nasceu depois do neoliberalismo, que foi incapaz de sustentar os pactos do pós-guerra por muito tempo. O avanço tecnológico e da informática conspiraram contra o emprego e o capital concentrou-se de forma vergonhosa, volatizou e foi para o mundo abstrato das Bolsas de Valores.

Nossos líderes não foram capazes de assimilar o solidarismo e nem se importaram ou importam com ele. Não se vê sequer indícios de um plano de superação.

A pandemia colocou tudo isso sob lentes de aumento e a comunicação se encarregou de levar tais circunstâncias a todos os lugares.

Infelizmente, pouquíssimos conseguem entender a mensagem. Pouquíssimos conseguem ver que nossa liderança está adotando a tática de terra-arrasada, na tentativa de consolidar o poder.

Se as lideranças políticas, econômicas e intelectuais não formarem um pacto pró solidarismo – renovado, para poder enfrentar os problemas atuais – seremos engolidos, como os egípcios foram tragados pelo Mar Vermelho.

[1] “Le solidarisme, une doctrine juridique et politique française de Léon Bourgeois à la V République”. O mais importante artigo de Léon de Bourgois, considerado como o mais importante foi publicado em 1896 sob o título: Solidarité”

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar 04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411 70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF Telefone: +55 61 3033-1760

30 Anos da Constituição Cidadã e o Papel do Ministério Público

30 Anos da Constituição Cidadã e o Papel do Ministério Público

30 Anos da Constituição Cidadã e o Papel do Ministério Público

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“Aplaudimos o MP no combate à corrupção, mas convém salientar que os remédios judiciais requeridos muitas vezes matam o doente”

Quando assumi a assessoria do Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, logo percebi que o Ministério Público era uma Instituição com uma fantástica ideia a realizar no seio da sociedade – mas que carecia de mecanismos jurídicos adequados e infraestrutura humana e física. O Promotor era o único servidor de sua “repartição”, tendo que fazer tudo sozinho, ocupando uma sala emprestada pelo Judiciário, que lhe cedia telefone e até o cafezinho. Muitas vezes, o Promotor pagava pelo papel que utilizava.

Estávamos em 1975.

Então, eu e um grupo de colegas resolvemos ingressar na política institucional, ganhando as eleições para a Associação Paulista e, depois, para a Conamp, órgão nacional.

A história desse tempo pode ser encontrada em alguns livros: “Uma História sem Fim” de J. Cabral Netto (publicada pela Conamp); “Histórias da Vida – Constituinte 20 anos”, publicada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul e “Vinte e Cinco Anos do Novo Perfil Constitucional”, da Malheiros, escrito por mim, por Walter Paulo Sabella e por José Emmanuel Burle Filho.

O texto aprovado pelo constituinte fala por si mesmo: o Brasil ganhou um Ministério Público sem igual no mundo!

Mas, a mens legislatoris e a própria mens legis acabaram cedendo lugar a uma interpretação que vinha a atender aos reclamos urgentes do País, forçando uma exegese constitucional necessária na prática, mas falha conceitualmente.

Na verdade, nós queríamos que o Ministério Público fosse o fiscal dos fiscais – o que ficou impresso no inciso II do art. 129: “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.

Ou seja, ao invés de o MP ser o tutor da sociedade, deveria forçar seus mecanismos a atuar em prol dos cidadãos e, também, quando os próprios direitos dos Poderes Públicos fossem violados pelos particulares. Entendíamos que uma sociedade que saiba se defender é mais democrática e justa que uma sociedade debaixo de uma proteção ministerial.

Mas, não foi o que aconteceu, por vicissitudes históricas. As pessoas jurídicas de direito público, por exemplo, não patrocinam ação por improbidade administrativa, entregando tal função ao Ministério Público. O que pretendíamos é que o Ministério Público processasse o órgão com competência para aquela ação, caso permanecesse inerte.

Contudo, essa inversão de papéis trouxe um problema sério, grave, para nós previsível: desfocou os limites entre o campo de atuação funcional do MP (poder de agir em prol da sociedade, conquistado por concurso público) e a área de atuação do Poder Executivo (poder político, conquistado nas urnas). Essa constatação é fácil: basta consultar qualquer Prefeito Municipal para saber a quantidade de ofícios expedidos pelo MP para obter informações, quase sempre sem justificativas e invadindo áreas discricionárias da administração. Muitas Prefeituras Municipais tiveram que criar setores especiais somente para responder aos ofícios do Ministério Público!

Aplaudimos o MP no combate à corrupção, mas mesmo nessa área também convém salientar que os remédios judiciais requeridos muitas vezes matam o doente, como a medida cautelar de proibição de contratar com o poder público.

Trinta anos se passaram…

A evolução do MP é impressionante. Já não mais é um organismo pobre. Nenhum outro experimentou, em tão pouco tempo, essa evolução!

Porém, é mais que tempo de se fazer uma séria introspecção e de focar mais objetivamente o campo de ação ministerial, dosar os remédios legais e buscar soluções plausíveis para o grande problema da violência e da criminalidade, onde tem atuação exclusiva.

 

 

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar
04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo
Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411
70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF
Telefone: +55 61 3033-1760

A revogação dos atos administrativos e o princípio da confiança legítima

A revogação dos atos administrativos e o princípio da confiança legítima

A revogação dos atos administrativos e o princípio da confiança legítima

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“A revogação tem que respeitar a confiança legítima dos administrados”

 

O poder de revogação dos atos administrativos é um tema sabidamente difícil, exposto com muita profundidade por Renato Alessi em sua clássica monografia sobre a matéria (“La revoca degli atti amministrativi”).

Mais que jurista, um pensador, ele analisa a revogação a partir de sua posição na teoria geral do direito e, tal como discorre Ortega Y Gasset sobre seu próprio método filosófico, ele vai “se aproximando (do núcleo temático) em círculos concêntricos, de raio cada vez mais curto e intenso, deslizando pela espiral de uma mera exterioridade com aspecto abstrato, indiferente e frio, para um centro de terrível intimidade” (“Que é Filosofia?”).

Segundo o autor, o poder de revogação deriva da capacidade de agir do sujeito (no caso, Administração Pública) que atinge os efeitos desse ato, o qual, por sua vez, dera origem a uma relação jurídica, que será modificada pela revogação. Necessário que o sujeito seja titular atual da relação, cujos efeitos jurídicos ele busca modificar ou extinguir. Para tanto, porém, além das questões ligadas à competência do órgão administrativo, é preciso que ele ainda detenha esse poder de revogação. Os motivos da revogação podem dizer respeito à errônea apreciação das circunstâncias ao tempo da efetivação do ato ou mudanças subsequentes, que tornem os efeitos do ato contrários ao interesse público. Ou, ainda em mudança de critérios administrativos e técnicos que tornem obsoletos os efeitos do ato a revogar.

Assim, a revogação não decorre de um vício intrínseco ao ato, mas de elementos extrínsecos. Já a anulação do ato administrativo depende de tal elemento, que atinge diretamente o ato, como, por exemplo, a incompetência da autoridade que o efetivou. Os efeitos também são diversos: a revogação tem efeito ex nunc e a anulação, ex tunc.

Esse sobrevoo é apenas como que uma janelinha estreita, que nos convida a ver toda a paisagem que se descortina à distância (pela importância da obra, devemos publicar sua tradução em breve).

Na monografia, porém, sentimos falta de um capítulo sobre o princípio da confiança legítima, talvez sem muita relevância no direito italiano pela conhecida e específica concepção de direito legítimo e interesse legítimo.

De todo modo, entre nós a revogação tem que respeitar a confiança legítima dos administrados, isto é, daqueles que tomaram medidas concretas em sua vida em face da orientação explícita ou implícita contida no ato administrativo. A revogação, se inexorável por causa do interesse público, mas causar prejuízos aos particulares, deverá gerar indenizações. Se não causar prejuízos, deverá respeitar todos os atos praticados e todas as relações jurídicas geradas com fundamento no ato administrativo a revogar, anteriormente à mudança de rumos da administração.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar
04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo
Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411
70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF
Telefone: +55 61 3033-1760

Moralidade Administrativa: O Dever da Honestidade

Moralidade Administrativa: O Dever da Honestidade

Moralidade Administrativa: O Dever da Honestidade

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“O respeito à confiança legítima dos administrados deve ser o atual conteúdo do princípio da moralidade administrativa”

 

O dever de honestidade previsto no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa decorre do princípio da moralidade administrativa, previsto na norma constitucional, sobre cujo conteúdo reina grande discordância.

De pronto, não nos filiamos àqueles que conferem ao princípio da moralidade administrativa conteúdo moral ou ético.

Historicamente, esse princípio foi introduzido no Direito Administrativo Francês por Maurice Hauriou, a fim de ensejar que o Conselho de Estado de França pudesse examinar aspectos do mérito do ato administrativo, que estavam cobertos pelo princípio da legalidade. A moral administrativa de que falava o mestre de Toulouse consistia na prática de ato administrativo com abuso ou desvio do poder.

Todavia, sob esse aspecto da moralidade administrativa, de que falava Hauriou, já havia sido aceito pela doutrina, e o ingresso na análise do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário, mesmo antes de 1988.

O Estado de Direito trouxe novos fundamentos e novos instrumentos para análise dos atos administrativos, incorporados aos princípios constitucionais (explícitos ou implícitos), de maneira a modernizar e atualizar o conteúdo do princípio da moralidade.

Dentre esses elementos constitutivos do Estado de Direito, merece destaque o princípio da confiança legítima do administrado. Eis o pensamento de Gabriel Valbuena Hernandéz: “Por todo o exposto, o fato de que este princípio não se encontre regulado de forma explícita não obsta que as autoridades cumpram a obrigação de oferecer proteção às expectativas plausíveis dos administrados. Afinal essa é uma exigência mínima que deriva dos mais elementares postulados da ética pública e da moralidade administrativa”.

Esse princípio está a impedir que quaisquer dos Poderes de Estado possam introduzir modificações normativas, critérios de julgamento e posturas em sentido diametralmente oposto ao que vinham adotando, sem respeitar a confiança que despertaram no cidadão. Essa mudança, caso seja realizada, deve ser promovida de maneira paulatina, de sorte a não causar uma injustiça abrupta.

O respeito à confiança legítima dos administrados, portanto, deve ser o atual conteúdo do princípio da moralidade administrativa, que, assim, supera a sua antiga concepção francesa e muitos dos entendimentos pretorianos ainda existentes. Nesse sentido, a causa de pedir, para a imputação de infringência ao dever de honestidade, precisa evidenciar que o ato contraria, dolosamente, a confiança legítima dos administrados.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar
04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo
Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411
70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF
Telefone: +55 61 3033-1760