Custo de ciclo de vida na Nova Lei de Licitações e Contratos: um contraponto ao menor preço

por Renan Marcondes Facchinatto

Deve ser enaltecida uma inovação constante do texto aprovado da Nova Lei de Licitações que determina que os custos relacionados com O&M, inclusive depreciação e impactos ambientais, devem ser considerados no critério de julgamento, ou seja, há uma inversão da lógica pura e simples do menor preço. Passa a ser objetivamente demonstrável que pode fazer sentido investir mais numa obra “mais cara” que gerará menor despesa de longo prazo, o que libera orçamento para outros investimentos.

A Nova lei de licitações surpreende menos do que se esperava. Onde poderia ter avançado e inovado, acabou por repetir bastante coisa da velha conhecida Lei 8.666. Mas, há esperança e uma das novas regras que se destaca é a que prioriza a compra ou a contratação de obras considerando o custo de gestão do ciclo de vida do ativo.
Mas, do que se trata isso? A Lei 8.666 consagrou a racionalidade do menor preço. Isso foi levado às últimas consequências pelo viés confirmatório de que competição efetiva é aquela em que se obtém o maior desconto, sem levar em consideração parâmetros de qualidade e, acima de tudo, o custo esperado de operação e manutenção, algo fundamental para obras de engenharia e equipamentos de alto valor agregado.
É claro que juristas renomados defendem há tempos que menor preço não pode ser algo absoluto. Esses juristas defendem que, mesmo na lógica um pouco perversa da Lei 8.666, haveria espaço para definição objetiva de parâmetros mínimos de qualidade. Todavia, essa não se consagrou como a interpretação dominante, especialmente entre as entidades responsáveis por fiscalizar e auditar contratações públicas, especialmente aquelas de obras públicas e equipamentos de alto valor agregado.
É nesse contexto que deve ser enaltecida uma inovação constante do texto aprovado da Nova Lei de Licitações que determina que os custos relacionados com O&M, inclusive depreciação e impactos ambientais, devem ser considerados no critério de julgamento (conforme consta do § 1º do artigo 34), ou seja, há uma inversão da lógica pura e simples (e simplista, até) do menor preço. Esse critério passa a ser objetivamente sopesado com um critério de longo prazo: o custo geral de manutenção. Com isso, passa a ser objetivamente demonstrável que pode fazer sentido investir mais numa obra “mais cara” que, todavia, gerará menor despesa de longo prazo, o que libera orçamento para outros investimentos.
Imagine-se, aqui, um exemplo hipotético. Uma obra de um prédio administrativo, na lógica do menor preço da Lei 8.666 poderia custar muito barato para a Administração, suponha-se, R$ 500 mil. Porém, para obter esse preço, certamente critérios de qualidade foram sacrificados e essa obra poderá representar um custo anual de O&M de R$ 100 mil.
Na nova sistemática, a obra do exemplo possivelmente poderá ser contratada por, suponha-se, R$ 700 mil. Todavia, é bastante crível que o custo de O&M dela seja bastante inferior, talvez algo em torno de R$ 60 mil. Ou seja, grosseiramente falando, por ano, a Administração economizará R$ 40 mil, o que cobre a “diferença” em relação ao outro modelo em apenas 5 anos.
Como, na prática, a nova lei ainda mantém o dever de reserva orçamentária, ou seja, tanto na lei antiga, quanto na nova, a contratação tradicional de obra pública deve ser integralmente paga com recursos orçamentários desembolsados durante a execução da obra. Em ambos os exemplos, portanto, a despesa será integralmente consumada, sejam R$ 500 mil ou R$ 700 mil, antes de posta em marcha.
Dessa forma, uma vez comissionada a obra, no segundo cenário, ela já iniciará seu ciclo de vida com um custo de O&M 40% inferior pelo simples fato de que sua licitação computou tais custos como parte do critério de julgamento. Nesse ano, o gestor público já terá R$ 40 mil a mais para investir, ao mesmo tempo em que a despesa de O&M foi, qualitativa e quantitativamente, racionalizada. E, como se sabe, obras públicas são construídas para durar bem mais do que 5 ou 10 anos e, justamente por isso, precisam ser adequadamente planejadas na perspectiva do orçamento de longo prazo.
O grande mérito dessa norma aparentemente tão singela é dar mais segurança jurídica para a tomada de decisão de investimento do gestor em uma perspectiva mais efetiva de planejamento, estatal e de política pública. O gestor estará mais seguro de que poderá planejar aquela aquisição com qualidade e de modo a acomodar essa despesa nas já limitadas restrições intertemporais do orçamento. E, com essa regra, os órgãos de controle e auditoria estarão obrigados a considerar essa racionalidade, porque ela será uma condição vinculante do edital.
Pode parecer difícil visualizar o potencial dessa nova regra. Mas, imagine-se uma obra de metrô, aeroporto ou rodovia. As “grandes” obras públicas são aquelas que mais requerem planejamento e que mais podem ser prejudicadas por contratações focadas unicamente no preço. Imagine-se, agora, a diferença hipotética de cerca de 20% a menos de custo de O&M, mas, agora, numa rodovia de 500km de extensão: isso tornaria a despesa pública com o O&M dessa obra muito mais racional, mesmo que, no primeiro momento, pareça que a obra “custou caro”.
É evidente que essa regra, no entanto, não se presta a resolver todas as mazelas. Ela apenas torna a decisão de investimento mais racional e qualificada quando a rota escolhida pelo gestor for a da contratação pública tradicional. Aqueles projetos que, por suas características ou dimensões, não justificarem ou não se sustentarem como parcerias público-privadas (concessões incluídas), poderão ser muito mais bem planejadas para aquisição, operação e manutenção estatal.
Restará, claro, o desafio sobre como essa nova regra será interpretada. Mas, para isso, espera-se que as regras recentes da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro sejam proteção e escudo para a esmagadora maioria dos gestores probos e bem-intencionados. Isso, no entanto, será objeto para futuras reflexões.

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