Nova Lei de Licitações e as contratações diretas

por Paulo Henrique Triandafelides Capelotto e Raphael Leandro Silva

Evidencia-se a necessidade de um processo administrativo robusto e acurado para viabilizar a contratação direta, atenuando riscos e inviabilizando reprimendas pelos órgãos de controle, seja em face da responsabilização administrativa ou criminal.

As contratações promovidas pela administração pública podem ser feitas diretamente, sem a instauração do respectivo certame. Evidentemente, trata-se de forma de contratação excepcional, que deve estar intimamente ligada a hipóteses previamente estabelecidas em lei. Neste contexto, estamos a falar dos casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, as quais sofreram alterações por força da edição da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, destacando-se, dentre elas, o seu regime sancionatório.
Nota-se que o legislador optou por criar um capítulo específico, dentro do título que trata das licitações, para abordar as hipóteses de contratação direta, ao contrário do que ocorre na atual Lei nº 8.666/93, em que o tema é abordado na mesma Seção que trata das modalidades e limites das licitações.
Com isso, ocorreu uma reorganização geográfica, e a contratação direta passou a ser tratada pelos artigos 72 ao 75 da já mencionada Lei nº 14.133/2021, cabendo aos artigos 72 e 73 fixar as disposições comuns a ambas as formas de contratação direta, e aos artigos 74 e 75 tratar das hipóteses de Inexigibilidade e Dispensa de Licitação, respectivamente.
Nesse sentido, importante esclarecer, de modo a facilitar a compreensão deste artigo, a diferença entre as duas modalidades previstas, consistente na possibilidade ou não de competição, na medida em que nos casos de inexigibilidade existe apenas um objeto ou pessoa (física ou jurídica) que consegue atender aos objetivos almejados pela Administração, enquanto na dispensa, em que pese exista a possibilidade de competição, a realização ou não do certame fica autorizada expressamente pelas hipóteses legais, a serem preenchidas pelo exercício de competência discricionária da Administração Pública.
No que diz respeito às disposições comuns, extrai-se da leitura do art. 72 que o legislador entendeu por tornar o processo de contratação mais robusto, exigindo, com isso, que o gestor público atue com maior eficiência, utilizando-se de um planejamento estratégico quando pretender adquirir um bem ou contratar um serviço de forma direta.
Nos parece que a ideia do legislador foi evitar exatamente que este tipo de contratação seja banalizado e utilizado como meio para camuflar a má gestão, a exemplo de quando o gestor público não adota, em tempo hábil, as providências necessárias para iniciar o processo licitatório.
Para tanto, a nova legislação passa a exigir que o processo de contratação direta seja instruído, obrigatoriamente, com (i) o documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo; (ii) a estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei; (iii) o parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos; (iv) a demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido; (v) a comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária; (vi) a razão de escolha do contratado; (vii) a justificativa de preço; e (viii) a autorização da autoridade competente, enquanto a redação atual da lei exige apenas, no que couber – ou seja, concede um grau mais elevado de competência discricionária ao agente, (i) a caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso; (ii) a razão da escolha do fornecedor ou executante; (iii) a justificativa do preço; e (iv) o documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.
Essa tentativa de imposição de limites à contratação direta pode ser extraída, também, da leitura do art. 73, que inova ao dispor que “Na hipótese de contratação direta indevida ocorrida com dolo, fraude, ou erro grosseiro, o contratado e o agente público responsável responderão solidariamente pelo dano causado ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis”. Indicando, ainda, em seu parágrafo único que “Na hipótese de sobrepreço ou superfaturamento, o dano ao erário deverá ser demonstrado de forma clara e precisa na imputação de irregularidade, e serão segregadas as funções e individualizadas as condutas”.
Ou seja, o legislador deixa claro que não serão aceitas contratações diretas que não observem os requisitos legais e que, nestes casos, a consequência será a intensa responsabilização do agente público, em conjunto com o contratado, pelos dados advindos ao erário, seja por dolo, fraude ou erro grosseiro, não deixando dúvidas acerca da possibilidade de enquadramento das condutas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e, por consequência, a aplicação das sanções previstas em seu art. 12º.
Feita essa breve introdução, trataremos agora das principais alterações introduzidas pelo novo diploma legal, no que diz respeito às hipóteses de inexigibilidade previstas no art. 74, correspondente ao art. 25 da legislação em vigor.
De início, verifica-se da leitura do inciso I do art. 74 que o legislador optou por permitir também a contratação por inexigibilidade de licitação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos.
No que diz respeito à forma de comprovação desta inviabilidade de competição em razão da exclusividade, além deste tema passar a ser tratado no § 1º, do art. 74, e não mais corpo do referido inciso I, tal como ocorre atualmente no art. 25 da Lei em vigor, o legislador optou por alterar substancialmente a sua forma de comprovação, transformando o rol de documentos antes taxativo, agora em um exemplificativo, na medida em que, além daqueles documentos expressamente indicados no referido § 1º, outros poderão ser aceitos para tal finalidade.
Já com relação ao inciso II do art. 74, verifica-se que o legislador optou por tratar da hipótese de inexigibilidade de licitação para contratação de profissionais do setor artístico, hipótese essa tratada na legislação atual no inciso III, do art. 25, sem realizar em sua redação, contudo, uma significativa mudança, tendo feito apenas a substituição da expressão “de qualquer setor artístico” pela dicção “do setor artístico”.
Deste modo, a principal alteração introduzida pelo legislador acerca da hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no inciso II está, de fato, no teor do § 2º do art. 74, por meio do qual o legislador optou por indicar o que se entende por empresário exclusivo, que nada mais é do que a pessoa física ou jurídica que possua contrato, declaração, carta ou outro documento que ateste a exclusividade permanente e contínua, vedando, por consequência, a contratação direta por inexigibilidade por meio de empresário com representação restrita a evento ou local específico.
Coube ao inciso III tratar da contratação por inexigibilidade dos serviços denominados na atual legislação de “serviços técnicos”, mas que na nova legislação são denominados de “serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual”. Nota-se, também, que os “serviços técnicos” antes indicados no art. 13 da Lei 8.666/93 passam a integrar o conteúdo do inciso na qualidade alíneas, dentre as quais destacamos a inclusão da alínea “h”, para tratar da possibilidade de contratação direta por inexigibilidade de “controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem na definição deste inciso”.
Todavia, as principais alterações introduzidas pelo legislador no que diz respeito à hipótese de contratação direta por inexigibilidade de licitação prevista no inciso III consiste na retirada do requisito referente à singularidade do objeto da licitação, de modo que os serviços não precisam mais ostentar tal natureza, bem como a alteração introduzida na definição do que se considera “notória especialização” – que atualmente é tratada no § 1º, do art. 25, mas que passa a ser tratada no § 3º, do art. 74 –, uma vez que a lei atual exige que o profissional ou a empresa a ser contratado seja considerado a melhor opção entre todas disponíveis, enquanto a nova lei exigirá apenas a comprovação de que o profissional ou empresa seja reconhecido como adequado para cumprimento do contrato, indicando, em seu § 4º, a vedação expressa da subcontratação ou a atuação de profissionais distintos daqueles que tenham justificado a inexigibilidade.
Por meio do inciso IV, o legislador entendeu por bem inserir, dentre as hipóteses de contratação por inexigibilidade de licitação, os objetos que devem ou possam ser contratados por meio de credenciamento, a exemplo de passagens aéreas.
Por fim, mas não menos importante, verifica-se que o legislador entendeu por bem indicar, dentre as hipóteses de contratação por inexigibilidade de licitação, a possibilidade de aquisição ou locação de imóveis cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha, hipótese essa enquadrada na legislação em vigor como hipótese de dispensa de licitação. Ao assim agir, o legislador tratou de aumentar, por meio do § 5º, do art. 74, as exigências para locação e aquisição de imóveis, passando a exigir a realização de (i) avaliação prévia do bem, do seu estado de conservação e dos custos de adaptações, quando imprescindíveis às necessidades de utilização, e prazo de amortização dos investimentos; (ii) a certificação da inexistência de imóveis públicos vagos e disponíveis que atendam ao objeto; e (iii) a apresentação das justificativas que demonstrem a singularidade do imóvel a ser comprado ou locado pela Administração e que evidenciem vantagem para ela.
Por sua vez, as hipóteses de Dispensa de Licitação são aquelas previstas no artigo 75 da Lei 14.133/21. A primeira nota é que a dispensa por valor teve sua monta atualizada dos conhecidos R$ 8.000,00 para R$ 50.000,00 (inciso II do art. 75), quando está em vista a contratação de serviços e compras, excetuados as obras, serviços de engenharia ou serviços de manutenção de veículos, cujo valor passou a ser de R$ 100.000,00 (inciso I).
Entre outras situações que podem ser verificadas alterações, também se pode destacar a possibilidade de contratação direta de remanescente. Em verdade, a novel legislação prevê que o remanescente de obra será um procedimento dentro da contratação originária, dispensando, assim, a instrução de novo processo licitatório com vistas à dispensa de licitação.
Já no que diz respeito à conhecida situação de contratação emergencial, a legislação passa a prever mais uma vedação. Além da impossibilidade de prorrogação dos contratos, também será vedada a recontratação de empresa já contratada com base no inciso VIII.
A dispensa de licitação para a contração de bens ou serviços prestados por órgão ou entidade que integrem a administração pública deixa de ter o limitador temporal relativo à criação do contratado, isto é, não será mais necessário que tenha sido criado em data anterior à vigência da Lei, além de prever que os custos da entidade sejam compatíveis.
Já quando se trata da hipótese que permite às Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) a dispensa de licitação, o novo diploma pormenorizou como se dará a referida dispensa, limitando a instituição brasileira sem fins lucrativos. Na redação anterior, não havia essa limitação, além de descrever à minúcia as finalidades estatutárias que a entidade deverá possuir. Vale dizer que entidade dedicada à recuperação social de pessoa presa foi beneficiada com a contratação.
No mais, em termos de regrais gerais aplicadas às hipóteses de dispensa, o § 1º, do art. 75, não veda o fracionamento, já que determina que a unidade gestora dos recursos obedeça aos valores para o exercício financeiro na aquisição de objetos da mesma natureza (incisos I e II, do referido § 1º).
Por fim, destacam-se as hipóteses de dispensa que deixarão de existir com o advento da nova norma:

  1. na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento (inciso XI do art. 24 da Lei nº 8666/93);
  2. na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso (inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8666/93);
  3. para a impressão dos diários oficiais, de formulários padronizados de uso da administração, e de edições técnicas oficiais, bem como para prestação de serviços de informática a pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou entidades que integrem a Administração Pública, criados para esse fim específico (inciso XVI do art. 24 da Lei nº 8666/93);
  4. na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado (inciso XXII do art. 24 da Lei nº 8666/93);
  5. na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado (inciso XXIII do art. 24 da Lei nº 8666/93);
  6. para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão (inciso XXIV do art. 24 da Lei nº 8666/93);
  7. na contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei federal (inciso XXX do art. 24 da Lei nº 8666/93);
  8. na contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, para beneficiar as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou falta regular de água (inciso XXXIII do art. 24 da Lei nº 8666/93); e
  9. para a construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco à segurança pública (inciso XXXV do art. 24 da Lei nº 8666/93).

Registre-se, ainda, a respeito do tema, que a nova legislação de contratações públicas alterou o Código Penal e incluiu o artigo 337-E, estabelecendo que “admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei”, sujeita o indivíduo a pena de reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, intensificando a pena prevista no artigo 89 da Lei 8.666/93, que previa reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos,
Diante das reflexões propostas, evidencia-se a necessidade de um processo administrativo robusto e acurado para viabilizar a contratação direta, de maneira a construir motivação exauriente para sua subsunção, atenuando riscos e inviabilizando reprimendas pelos órgãos de controle, seja em face da responsabilização administrativa ou criminal.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar 04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411 70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF Telefone: +55 61 3033-1760