Solidarismo — Uma Doutrina Esquecida

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

Para o criador do solidarismo este não era uma via intermediária, um meio justo, entre o socialismo e o liberalismo, mas uma via superior

Olivier Amiel, Doutor em direito pela faculdade de Aix-en-Provence, publicou um artigo (encontrável na Internet) chamado “O Solidarismo, uma doutrina jurídica e política francesa de Léon Bourgeois para a V República” [1], mostrando que essa doutrina ao tempo em que foi adotada, foi “esquecida” em França – seus princípios se repercutem nos textos legais de hoje, mas sem conexão direta com a doutrina de Léon Bourgeois.

Como resume aquele autor, “O solidarismo de Léon Bourgeois ilustra a vontade francesa de encontrar uma doutrina jurídica e política acima do socialismo e do liberalismo. Fortemente associada à história da República Francesa, a maioria das pessoas considerou que o solidarismo não poderia sobreviver. Embora sem reconhecimento oficial, ainda tem grande influência na doutrina jurídica francesa e no discurso político”.

Para o criador do solidarismo este não era uma via intermediária, um meio justo, entre o socialismo e o liberalismo, mas uma via superior. Seu solidarismo é substancialmente fundamentado num princípio de dívida moral: “o homem vivendo em sociedade, e não podendo viver sem ela, a todo instante é um devedor em relação a ela. Ali está a base de seus deveres, a carga de sua liberdade” (apud artigo citado).

A adoção do princípio se manifesta, por exemplo, no preâmbulo da Constituição Francesa de 27/10/1946, quando fala em garantir a todos, “a proteção da saúde, a segurança material, o repouso e o lazer. Todo ser humano que, em razão de sua idade, de seu estado físico ou mental, de sua situação econômica, se encontre incapaz de trabalhar tem o direito de obter da coletividade os meios apropriados de existência”.

Por fim, Olivier Amiel critica a fórmula “socialismo liberal”, tantas vezes usada em lugar de “solidarismo” porque essa designação é imprópria para nomear uma teoria que pretende ultrapassar justamente as teorias que os dois termos designam e que entram na sua denominação.

No Brasil pouco ou quase nada se fala desse princípio geral, como justificador de orientação constitucional, legal e jurisprudencial.

Basta uma leitura do Preâmbulo de nossa vigente Constituição Federal para concluirmos que o solidarismo permeia seus princípios e ele próprio pode ser havido como princípio não expresso, mas vigente, no nosso sistema constitucional.

Ideologicamente, porém, está completamente esquecido.

O que se tem feito para garantir os direitos sociais tão entusiasticamente enumerados no sexto artigo da Carta da República (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados)?

Quase nada!

É que a vontade política dos nossos três poderes se inclina, por orientação da maioria, não de todos, em sentido oposto ao solidarismo; para uma visão ultraliberal, altamente predatória, que nasceu depois do neoliberalismo, que foi incapaz de sustentar os pactos do pós-guerra por muito tempo. O avanço tecnológico e da informática conspiraram contra o emprego e o capital concentrou-se de forma vergonhosa, volatizou e foi para o mundo abstrato das Bolsas de Valores.

Nossos líderes não foram capazes de assimilar o solidarismo e nem se importaram ou importam com ele. Não se vê sequer indícios de um plano de superação.

A pandemia colocou tudo isso sob lentes de aumento e a comunicação se encarregou de levar tais circunstâncias a todos os lugares.

Infelizmente, pouquíssimos conseguem entender a mensagem. Pouquíssimos conseguem ver que nossa liderança está adotando a tática de terra-arrasada, na tentativa de consolidar o poder.

Se as lideranças políticas, econômicas e intelectuais não formarem um pacto pró solidarismo – renovado, para poder enfrentar os problemas atuais – seremos engolidos, como os egípcios foram tragados pelo Mar Vermelho.

[1] “Le solidarisme, une doctrine juridique et politique française de Léon Bourgeois à la V République”. O mais importante artigo de Léon de Bourgois, considerado como o mais importante foi publicado em 1896 sob o título: Solidarité”

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