As obras públicas e a COVID-19

por André Paulani Paschoa

Não deve ser abandonada a análise acurada das disposições específicas de cada contrato firmado havendo enormes discrepâncias de tratamentos jurídicos a respeito do tema, mesmo diante do mesmo órgão administrativo

A pandemia do coronavírus tem exigido redobrado esforço dos administradores públicos para suprir as inúmeras atividades que competem aos diversos níveis da federação.

As recomendações de saúde pública que indicam a permanência em isolamento social por tempo indeterminado tornam parcela das atividades econômicas desenvolvidas impossível. Se os recursos tecnológicos dos novos tempos permitem que parcela da economia seja gerida virtualmente, em alguns setores econômicos isso é fisicamente impossível.

Inequívoco que essa situação traz questões extremamente desafiadoras ao administrador público. Se já lhe competia a função de realizar as escolhas sobre os setores públicos que terão mais ou menos investimentos, a situação presente torna essa competência ainda mais importante e com exigência ímpar de celeridade e precisão.

A imprevisibilidade da situação faz com que os contratos de obras públicas já em andamento sofram por duas razões específicas: por um lado, inserem-se notoriamente no campo das atividades econômicas que não podem ser exercidas à distância, sendo-lhe naturalmente exigida a execução por trabalhadores presentes in loco, muitas vezes em grande número e, também não raro, em localidades que exigem do contratante o transporte conjunto dos funcionários até o local do trabalho.

Se a primeira razão já contraria demasiadamente as orientações de saúde pública e cuja mitigação tem potencial para impactar prazos e custos outrora combinados no processo licitatório, por outro lado, e aqui a segunda razão, não se pode deixar de afirmar que as prioridades de escolhas dos administradores voltar-se-ão, com manifesta razão, à área da saúde.

A mera paralisação de contratos públicos para priorizar a saúde deve vir acompanhada de saídas para não desestimular ainda mais uma economia que terá um futuro deveras periclitante, uma vez que milhares de trabalhadores dependem diretamente e indiretamente da continuidade da execução de obras públicas para seu sustento. Nesse sentido, municípios do Estado de São Paulo têm se preocupado exatamente com os trabalhadores, que, investidos em atividades necessárias para o cumprimento de contratos firmados pela Administração Pública, precisam ser mantidos em quarentena com a garantia da continuidade de seus empregos. São bons exemplos disso o decreto do município de Cotia nº 8.691/2020 e a lei da capital paulista nº 17.335/2020.

Também o interesse público primário almejado com a assinatura de contratos de obra pública tem que ser protegido em tempos de priorização absoluta da saúde enquanto área de investimentos.

A legislação que rege as obras públicas no Brasil — aqui incluídas tanto a lei geral de licitações quanto a lei das estatais e, ainda, a hipótese de contratação integrada do RDC — dá guarida à capitulação do evento pandêmico como situação que agrava a economia contratual, apto a gerar sua repactuação de custos e prazos.

Essa constatação não significa que deve ser abandonada a análise acurada das disposições específicas de cada contrato firmado, já que normalmente, os contratos não preveem uma racionalidade lógica linear, havendo enormes discrepâncias de tratamentos jurídicos a respeito do tema, mesmo diante do mesmo órgão administrativo.

Se, em lamentável e indesejada hipótese, a Administração se quedar silente quanto aos impactos contratuais causados pela pandemia, é papel do contratado demonstrá-los e propor as soluções mitigadoras de acordo com os instrumentos de repactuação previstos em lei, de sorte a manter sua execução em rotação. De outra sorte, ao Poder Público cabe também analisar o interesse público almejado pela obra pública desenvolvida e, diante das particularidades de cada caso concreto, propor as soluções cabíveis.

Situação hipotética, desde já repudiável, é atuar indevidamente para promover punições indevidas, desconsiderando as circunstâncias imprevisíveis do evento pandêmico, como se estivéssemos em condições normais de temperatura e pressão. Eventual decisão administrativa nesse sentido, que desconsidere a realidade fática e obrigue o inatingível, deve ser fulminada pelo Poder Judiciário.

Para o momento, contudo, exige-se a tomada de todas as cautelas necessárias pelos gestores privados responsáveis pela condução dos contratos, para dar continuidade às obras públicas contratadas em face das reais condições de sua execução e resguardar a saúde física e financeira dos funcionários, o interesse público protegido pelo empreendimento, a realidade orçamentária contratual e o equilíbrio econômico-financeiro do ajuste.

Assim, as empresas devem se organizar para documentar e registrar todo e qualquer gasto extraordinário arcado em razão de necessárias alterações na execução do contrato, para que possa informar oportunamente o Poder Público, de molde a favorecer uma decisão administrativa clarividente, que assegure a economia contratual e todos os demais direitos previstos no ajuste, ao cabo de entregar a obra pública em perfeitas condições e apta a atender à finalidade pela qual foi efetivamente concebida, evitando qualquer exposição de risco desnecessário em face dos órgãos de controle responsáveis.

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