A Nova Lei de Licitações: o que muda no sancionamento administrativo licitatório e contratual

por Ana Cristina Fecuri

O sistema punitivo apresentado pelo novo marco legal licitatório é mais rigoroso do que o previsto na Lei nº 8.666/1993, embora repita, em sua grande maioria, condutas infracionais já previstas na Lei do Pregão e na Lei do RDC, assim como a prática dos atos lesivos previstos no artigo 5º da Lei Anticorrupção.

Ao tratar do tema “Das infrações e Sanções Administrativas”, o legislador ordinário, objetivando dar concretude aos anseios doutrinários e às manifestações jurisprudenciais que defendem um maior rigor na tipificação das penalidades administrativas, prestigiar a garantia constitucional contida no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, e atender ao princípio da segurança jurídica, tipificou as condutas licitatórias e contratuais irregulares passíveis de penalização e definiu as sanções correspondentes, observada a gravidade e reprovabilidade da infração.
É o que se extrai da leitura combinada dos artigos 25, 92, inciso IV, 155 e 156, todos da Lei nº 14.333, de 1 de abril de 2021, os quais claramente reduzem a competência discricionária do agente público para eleger infrações e determinar as sanções, como reafirmam a obrigatoriedade de o sancionamento estar expressamente disciplinado e detalhado no edital, permitindo um conhecimento prévio da antijuridicidade das condutas por parte dos interessados em participar em contratar com a Administração.
Nota-se da leitura desses dispositivos legais que o sistema punitivo apresentado pelo novo marco legal licitatório é mais rigoroso do que o previsto na Lei nº 8.666/1993, pois insere no rol de condutas infracionais aquelas praticadas no curso da licitação – embora repita, em sua grande maioria, aquelas já previstas na Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão) e Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC) –, assim como a prática dos atos lesivos previstos no artigo 5º da Lei nº 12.846, de 2013 (Lei Anticorrupção).
A solução legislativa proposta, todavia, apresenta alguns tipos infracionais abertos e imprecisos, a exemplo das condutas previstas no inciso X do artigo 155 – “comporta-se de modo inidôneo” ou “cometer fraude de qualquer natureza”, fórmula que fatalmente dará margem a incertezas e questionamentos administrativos e judiciais, vez que deixa para o administrador público a realização de um juízo de valoração de seu conteúdo.
Ainda em relação ao recrudescimento legislativo do sistema sancionador licitatório, a norma legal desmembra o tipo infracional “inexecução parcial”, dando um tratamento mais rigoroso aos casos em que houver grave dano à Administração, como por trazer uma maior rigidez nas penalidades destinadas a infrações graves.
Com a atual legislação, advertência, multa, impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar passam a ser as sanções que podem ser aplicadas aos infratores, mantendo, em relação as duas últimas, diferenças temporais e de alcance dos seus efeitos. Enquanto a sanção de impedimento de licitar poderá ser aplicada pelo prazo máximo de até três anos e ficará restrita ao âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo, a declaração de inidoneidade, uma vez aplicada, alcançará a Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos e terá prazo mínimo de três anos e máximo de seis anos. A sanção de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar prevista no artigo 87, inciso III, da Lei nº 8.666/93, aplicável por até dois anos e de alcance restrito à Administração que aplicou a penalidade, desaparece do ordenamento jurídico.
A nova Lei também cuida de explicitar os critérios a serem considerados para a aplicação das sanções administrativas no § 1º de seu artigo 156, seguindo orientação contida no § 2º do artigo 22 da Lei de Introdução às Nomas do Direito Brasileiro, que reforça o princípio da motivação no exercício da competência sancionatória, e claramente auxiliarão na redução dos excessos sancionatórios.
Desta feita, a natureza e gravidade da infração cometida, as peculiaridades do caso concreto, as circunstâncias agravantes e atenuantes, os danos advindos da conduta infracional, e a existência de programas de integridade ou o seu aperfeiçoamento, conforme normas e orientações dos órgãos de controle, passam a ser obrigatoriamente considerados para a gradação da pena.
Não há, todavia, previsão de parâmetros normativos que auxiliem na dosagem dos percentuais das multas, considerando-se os limites contidos no § 3º do art. 156, e na fixação dos prazos das sanções de impedimento de licitar e contratar e de declaração de inidoneidade quando da sua aplicação, deixando a critério da autoridade sancionadora competente a sua determinação, o que notadamente fragiliza o sistema.
Nos termos do artigo 157 desta Lei, o infrator sujeito à penalidade de multa terá a faculdade de se defender, no prazo de 15 dias úteis, contado da data de sua intimação. Desta decisão, ainda caberá recurso, nos termos previstos do disposto no artigo 166. A aplicação das sanções de impedimento de licitar e contratar e declaração de inidoneidade, por sua vez, dependerá da instauração prévia de um processo de responsabilização, nos termos expressamente previstos no artigo 158, que será conduzido por uma comissão processante, observado o rito mínimo previsto. A nova Lei nada dispõe, entretanto, a respeito da advertência, o que traz dúvidas quanto ao atendimento do princípio do devido processo legal e às garantias do contraditório e da ampla defesa, sem falar no prejuízo que a omissão legislativa trará para a aferição da dosimetria das penas.
A prescrição da pretensão punitiva dos infratores foi prevista no § 4º do artigo 158 da Lei nº 14.133/2021 e segue regra geral de 5 (cinco) anos, a contar da ciência da infração pela Administração, definindo as suas causas interruptivas e suspensivas. Nada prescreve, todavia, sobre o prazo prescricional, interrupções e suspensões para a aplicação das penalidades de advertência e multa, o que dará margem a numerosas discussões acadêmicas, administrativas e judiciais.
Aspecto também relevante contido na nova Lei está em seu artigo 159, que determina a apuração conjunta e nos mesmos autos dos atos previstos como infrações licitatórias/contratuais que também tipifiquem atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013), vale dizer, condutas corruptivas. A regra já estava prevista no artigo 12 do Decreto nº 8.420, de 2014, que regulamenta a Lei Anticorrupção, mas era restrita ao âmbito federal. Segundo o Relator do projeto, Antônio Anastasia, o dispositivo legal tem por objetivo conferir maior segurança jurídica ao procedimento de apuração de irregularidades em face da multiplicidade de órgãos de controle que têm competência para a celebração de acordos de leniência.
Por força do disposto no artigo 160 da Lei em comento, as pessoas jurídicas que forem utilizadas para o fim de facilitar, encobrir ou dissimular a prática de atos ilícitos, ou mesmo para provocar confusão patrimonial, poderão ter a sua personalidade jurídica desconsiderada na esfera administrativa, caso em que os efeitos decorrentes das sanções a ela aplicadas serão estendidos aos seus administradores e sócios com poderes de administração, as suas sucessoras, coligadas, controladas, de fato ou de direito.
A utilização do instrumento de desconsideração da pessoa jurídica pela Administração Pública, apesar de polêmico, já era admissível doutrinária e jurisprudencialmente. O legislador ordinário perdeu a oportunidade, no entanto, de indicar a autoridade competente para adotar a medida e detalhar o procedimento a ser empregado, apesar de determinar a observância das garantias do contraditório e da ampla defesa, assim como a sua submissão à prévia análise jurídica. A omissão legislativa trará insegurança jurídica às partes envolvidas e dará azo a contestações judiciais.
Finalizando esse giro legislativo, nota-se a ausência de qualquer dispositivo legal que institua um novo modelo sancionador consensual e alternativo, por meio da adoção de instrumentos que possibilitem a celebração de acordos que substituam a sanção a ser aplicada ao infrator ou autorizem a eventual suspensão do processo administrativo sancionador para, após o cumprimento do acordo, extingui-lo, ou mesmo determinar a sua não instauração, a depender do caso concreto. Caminha, nesse sentido, na contramão de atuação mais dissuasória, instrumental e funcional, e menos repressiva, como forma de conformar as condutas dos infratores e solucionar os conflitos, já consagrada pela disposição genérica contida no artigo 26 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

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