O Limite Temporal para o Dever-Poder Sancionador do Tribunal de Contas

por Ana Cristina Fecuri

O quadro jurisprudencial revela-se tormentoso, considerando-se que a prescrição é um dos institutos que busca dar concretude ao princípio da segurança jurídica

A despeito das Leis Orgânicas do Tribunal de Contas da União e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo previrem a possibilidade de aplicação de multas pela prática de infrações submetidas à sua esfera de atuação, nada dispõem sobre o prazo para o exercício dessa competência punitiva.

Em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência instaurado no âmbito de uma Tomada de Contas Especial (TCE), o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº 1.441/2016-Plenário[1], de Relatoria do Ministro Benjamim Zymler, firmou posição no sentido de que a pretensão punitiva desta Corte de Contas Federal subordinava-se ao prazo prescricional decenal indicado no artigo 205 do Código Civil, cuja contagem deveria ser iniciada a partir da data de ocorrência da irregularidade sancionada, nos termos do artigo 189 deste Codex.

O entendimento adotado pelo Tribunal de Contas da União diverge da posição do Supremo Tribunal Federal. Para o Pretório Excelso, em acórdão publicado em 07 de agosto de 2017, nos autos do Mandado de Segurança nº 32.201[2], de relatoria do Ministro Roberto Barroso, a prescrição da pretensão punitiva da Corte de Contas Federal é quinquenal, seja em razão do disposto na Lei federal nº 9.873/99, seja pela aplicação do método da analogia. O posicionamento judicial tem sido reiterado em julgados contemporâneos, à exemplo do Mandado de Segurança n° 35940[3], de Relatoria do Ministro Luiz Fux, cujo acórdão foi publicado em 17 de julho de 2020, cuja ementa expressamente estabelece que:

“1. A prescrição da pretensão punitiva do TCU é regulada pela Lei 9.873/1999, descabendo a aplicação do prazo decenal previsto na legislação civil (art. 205 do Código Civil). Ao revés, incide o prazo quinquenal previsto na Lei 9.873/1999 (MS 32201, Rel. Min. Roberto Barroso, PRIMEIRA TURMA, DJe 7/8/2017; MS 35.512-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, SEGUNDA TURMA, DJe 21/6/2019).” (…)

Embora o Tribunal de Contas União venha insistindo no entendimento da prescrição decenal, em recentíssima decisão, exarada por meio do acórdão n° 1513/2021[4], de 23 de junho de 2021, o Eminente Ministro Relator Jorge Oliveira, em razão do novo cenário apresentado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE 636.886[5] (tema 899 da repercussão geral), reconheceu a aplicabilidade do prazo quinquenal da Lei Federal n° 9.873/99 também em relação a prescrição da pretensão punitiva, embora a tenha afastado, em razão do não preenchimento dos parâmetros legais. A decisão prolatada pelo Plenário indica que o entendimento até então consolidado pela Corte de Contas para o exercício de sua competência punitiva começa a ser revisitado.

Já o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, sem fazer qualquer separação entre a prescrição da pretensão punitiva e a ressarcitória, posiciona-se no sentido de que a ação de controle externo da Administração Pública é, para a maioria dos casos, imprescritível, já que tem por finalidade apurar eventuais danos ao Erário, o que se infere da leitura da sentença exarada nos autos do TC-1444/002/13[6], publicada no DOE de 06/02/2018, entendimento este mantido em grau recursal por meio do acórdão publicado em 21/01/2021.

O quadro jurisprudencial acima descrito, considerando-se que a prescrição é um dos institutos que busca dar concretude ao princípio da segurança jurídica, revela-se tormentoso e é causa de enorme insegurança jurídica, exigindo não somente a atenção redobrada de todos aqueles que exercem a sua atividade no campo do Direito Público, como também a adoção de medidas legais imediatas para eliminação dessa controvérsia, de modo a fortalecer o Estado Democrático de Direito.

[1] Disponível em: < https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/1441%252F2016/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 >. Acesso em 06.07.2021.

[2] Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312335579&ext=.pdf >. Acesso em 06.07.2021.

[3] Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343735182&ext=.pdf >. Acesso em 06/07/2021.

[4] Disponível em: < https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/ac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%2520n%25C2%25B0%25201513%252F2021/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520 >. Acesso em 08/07/2021.

[5] Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4046531&numeroProcesso=636886&classeProcesso=RE&numeroTema=899 >. Acesso em 08/07/2021

[6] Disponível em: < http://www2.tce.sp.gov.br/arqs_juri/pdf/640774.pdf >. Acesso em: 06.07.2021.

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