A Legitimidade Política do Poder Judiciário

A Legitimidade Política do Poder Judiciário

A Legitimidade Política do Poder Judiciário

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“Os integrantes do Poder Judiciário não adquirem legitimidade política pelo voto – mas por outros sistemas de investidura originária, destacando-se o concurso público de títulos e provas”

 

Em 19 de novembro de 1863, o então Presidente Abraham Lincoln proferiu um dos seus mais famosos discursos, em Gettysburg, local de sangrenta batalha durante a Guerra de Secessão: “that we here highly resolve that these dead shall not have died in vain, that this nation under God shall have a new birth of freedom, and that government of the people, by the people, for the people shall not perish from the Earth”. Lincoln acabava de conceituar, de modo preciso e sintético, o regime democrático – “o governo do povo, pelo povo e para o povo”.

O Brasil é uma democracia: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

A eleição por sufrágio direto, universal e secreto, em democracia indireta como a nossa, consiste no sistema de investidura política dos representantes do povo em seus cargos. Essa investidura é que confere aos eleitos legitimidade política para o exercício de seu mandato, do qual, todavia, podem ser destituídos, nos casos previstos na Constituição Federal.

Contudo, os integrantes do Poder Judiciário não adquirem legitimidade política pelo voto – mas por outros sistemas de investidura originária, destacando-se o concurso público de títulos e provas.

Portanto, sua legitimidade política não decorre da forma de investidura (que ocorre sem participação popular). Mas, mesmo assim, os magistrados representam o povo, quando no exercício de suas funções como Poder de Estado.

Inquestionável a supina importância da atuação do Poder Judiciário como instância máxima de salvaguarda dos valores constitucionais e de solução de controvérsias, contribuindo decisivamente para o equilíbrio e estabilidade das relações sociais.

É a aceitação popular, que dá aos membros do Poder Judiciário a sua legitimidade política. Ela advém da plena sintonia com os valores vigentes para a maioria da população. Valores e princípios que interferem decisivamente na exegese e aplicação das normas jurídicas. A dissintonia se verifica, especialmente, quando o sentimento popular constata a eventual quebra da imparcialidade ou mesmo a assunção de posições altamente discutíveis, juridicamente.

Nos dias de hoje, estamos assistindo abertamente manifestações bipolares de sacralização e de desmedido desagrado por determinados magistrados. Ambas são graves, mas a última é mais preocupante e merece reflexões, pois rapidamente pode contaminar a legitimidade política do Poder Judiciário, num regime democrático com poucos e ineficientes mecanismos de correção.

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Respeito aos Princípios da Proporcionalidade, da Necessidade e da Adequação na Aplicação da Lei da Improbidade Administrativa

Respeito aos Princípios da Proporcionalidade, da Necessidade e da Adequação na Aplicação da Lei da Improbidade Administrativa

Respeito aos Princípios da Proporcionalidade, da Necessidade e da Adequação na Aplicação da Lei da Improbidade Administrativa

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“A medida produz efeitos devastadores sobre pessoas inocentes e toda uma estrutura econômica que deve ser protegida”

 

Dois diplomas legais buscam responsabilizar a pessoa jurídica de direito privado em caso de ato ilícito que envolva o Poder Público: a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). Todavia, sua incidência ocorre em campos diferentes: a primeira exige a atuação de particulares sem ciência ou participação de servidor público, ao passo que, para a segunda, essa ciência ou participação é fundamental. Outra diferença essencial está em que a Lei Anticorrupção adota a responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas de direito privado, enquanto a Lei de Improbidade Administrativa consagra a responsabilidade subjetiva.

O objeto destas breves considerações é a Lei de Improbidade Administrativa, que nos oferece dois elementos a serem equacionados: (i) a natureza das sanções impostas às pessoas jurídicas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, dado que algumas são patrimoniais (perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento integral do dano; multa civil) e outras representam interdições de direito (proibição de contratar com o Poder Público e proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente); e (ii) a própria dicção do art. 3º (“As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”).

Em face da norma acima, a pergunta é simples: basta que a pessoa jurídica de direito privado se beneficie do ilícito para ter legitimidade passiva quanto às sanções de interdição de direitos?

Se um dos vários sócios de empresa de responsabilidade limitada induz ou concorre para que servidor pratique ato de improbidade administrativa é o suficiente para que a empresa sofra restrições de direito?

Não temos dúvida de que a resposta é negativa – porque há uma enorme desproporção entre a real vontade (embora fictícia) da empresa e o castigo recebido. A medida produz efeitos devastadores sobre pessoas inocentes e toda uma estrutura econômica que deve ser protegida.

É claro que a empresa responderá pelos efeitos patrimoniais do ato ilícito do sócio, o qual, por sua vez, responderá perante a sociedade de acordo com as regras da responsabilidade extraordinária dos sócios.

A sociedade terá legitimidade passiva para as interdições de direito se a maioria dos sócios atuou ou tem ciência do comportamento de seu preposto (formal ou informal), o qual induziu ou concorreu para a prática do ato de improbidade administrativa pelo servidor. Essa circunstância poderá decorrer da própria habitualidade do comportamento societário na indução ou concurso para a prática de ato de improbidade administrativa. Ou mesmo de uma verdadeira estrutura societária para a prática desses atos ilícitos. Numa palavra: sendo a pessoa jurídica uma ficção jurídica e se expressando por pessoas físicas, será preciso muita cautela para avaliar se essas pessoas físicas expressam a vontade da sociedade como um todo. Somente assim estaremos obedecendo ao princípio da proporcionalidade, da necessidade e da adequação.

Fora daí, estaremos no campo do summum ius, summa iniuria.

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Legalidade: Uma Trincheira Indispensável

Legalidade: Uma Trincheira Indispensável

Legalidade: Uma Trincheira Indispensável

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

Uma das fontes históricas nem sempre consideradas, mas que talvez seja das mais importantes é o direito positivo, sua concepção e sua evolução através dos tempos. Essa visão clarividente tomou corpo na magnífica obra do saudoso Professor Miguel Reale “Horizontes do Direito e da História”.

O legislador, como autorizado intérprete das tendências sociais, políticas, econômicas, éticas e religiosas de sua época, vai escrevendo na legislação, de maneira indelével, o retrato de seu tempo.

No começo da década de 90, isto é, na aurora do novo Estado Democrático de Direito Brasileiro, coube ao Ministério Público a tarefa de se reorganizar sob as luzes dos princípios que então passavam a viger. Dentre eles, os mais importantes: o da segurança jurídica, da ampla defesa, do contraditório, da confiança legítima, da publicidade, da legalidade e aqueles outros referidos expressamente pelo art. 37 da Constituição Federal.

Pudemos contribuir com o anteprojeto da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, quando ocupávamos o cargo de Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, o qual se converteu na Lei Complementar nº 734, de 26 de novembro de 1993.

Dando vida aos princípios referidos, a Lei Complementar, por exemplo, criou o recurso contra o arquivamento de inquérito policial ou de peças de informação determinado pelo Procurador-Geral de Justiça, dirigido ao Colégio de Procuradores (art. 117). Também foi instituído o recurso ao Conselho Superior do Ministério Público, em face da instauração de inquérito civil (art. 108).

Nesse mesmo diapasão, houve a regulamentação básica do inquérito civil, complementada por Ato Normativo do Colégio de Procuradores, nº 484/2006, alterado pelo Ato de nº 531/2008. No Ato Normativo há a enumeração dos princípios que devem nortear a atividade investigativa do Ministério Público, dentre os quais destacamos: (i) o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana; (ii) o respeito à ética e (iii) publicidade (art. 7º).

No tocante a este último princípio, o Ato cria uma exceção: “ressalvadas as exceções disciplinadas no ordenamento jurídico para tutela do interesse público, da segurança da sociedade e do Estado e da intimidade e da privacidade” (art. 7º, IX).

De outra banda, o Ato Normativo e a Lei Orgânica Estadual prescrevem que o inquérito civil poderá ser instaurado em face de representação (art. 106), desde que preencha os seguintes requisitos previstos em seu artigo 107, tais como o nome, qualificação e endereço do representante e, sempre que possível, do autor do fato; a descrição do fato objeto das investigações e a indicação dos meios de prova.

Apesar da claríssima dicção da Lei e da enumeração dos princípios que devem nortear os atos investigatórios do Ministério Público – além, é evidente, dos que informam o nosso Estado de Direito Democrático – vem se tornando praxe a aceitação de representações anônimas, em claro desrespeito aos direitos do indigitado autor do ato ilícito, que mesmo inocente, não terá como se voltar contra seu desconhecido detrator.

Não é tudo. O Ministério Público, muitas vezes, não se apercebe haver se transformado em instrumento de revanchismo político. Ao constatar essa circunstância (até pelo número de representações e pelo partido político do representante), deveria investigar também os atos praticados pelos denunciantes ou seus correligionários – que certamente já estiveram no Poder – para contrabalançar as coisas e demonstrar que não tem partido nem predileção, preservando sua imparcialidade, exigida pelo citado Ato Normativo (art. 7º, II, in fine).

Outra prática que em nada colabora com a transparência e imparcialidade de sua atuação é a divulgação de depoimentos de “testemunhas protegidas”. Aliás, desconhecemos a base legal dessa figura, que está muito além do âmbito da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, que cuida de assunto análogo, mas com tratamento totalmente diverso.

Tomar depoimento sigiloso e procurar comprovações do que lhe foi dito é a atitude correta. Mas, enviar esse depoimento ao indigitado autor do ilícito, pedindo-lhe explicações, sem a identificação do depoente, é uma violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório que, no caso, têm pertinência mesmo num procedimento investigatório, conforme o art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Não há dúvida de que a Instituição do Ministério Público tem colaborado para que possamos ter um País melhor, longe da corrupção e dos desmandos. Porém, não pode deixar a trincheira da legalidade absoluta, sob pena de cair no extremo oposto.

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Os 25 Anos da Lei da Improbidade Administrativa

Os 25 Anos da Lei da Improbidade Administrativa

Os 25 Anos da Lei da Improbidade Administrativa

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“Os excessos são corrigidos – apesar dos sofrimentos do réu durante o processo – porque a advocacia se especializou na defesa e batalhou para a correção de teses injustas”

 

Anos atrás, em plena era de “Caça aos Marajás”, o então Presidente remeteu ao Congresso Nacional o projeto de lei que seria sancionado em 2 de junho de 1992 – a Lei de Improbidade Administrativa (nº 8.429/92). Em sua elaboração houve grande participação do Ministério Público, especialmente de São Paulo, pois o projeto presidencial era praticamente uma cópia da antiga Lei Bilac Pinto, de nenhuma aplicação forense durante sua existência.

São vinte e cinco anos de vigência e como tudo no Brasil, cumpriu um movimento pendular, que sai do marco zero e vai ao marco oitenta. Todas as leis que inauguraram novos caminhos – como a de proteção ambiental, de tutela da criança e adolescente, dos idosos, do consumidor e tantas outras – passaram por tais vicissitudes.

Os agentes políticos de uma maneira geral – governadores, secretários estaduais e municipais, prefeitos, presidentes de casas legislativas – passaram a ter que prestar contas e informações ao Ministério Público, de forma muitas vezes exagerada, a princípio. Exagero que, infelizmente, às vezes ainda é praticado.

O mais grave é que o art. 3º da LIA alcança os particulares, que então se sujeitam às mesmas sanções impostas aos servidores públicos. Dessa forma, as empresas também passaram a sofrer com aquela demasia. Mas, sem dúvida, o fortalecimento do Ministério Público na Constituição Federal de 1988 e a Lei de Improbidade Administrativa são instrumentos que estão modificando as entranhas da política nacional.

Os excessos são corrigidos – apesar dos sofrimentos do réu durante o processo – porque a advocacia se especializou na defesa e batalhou para a correção de teses injustas: não há que se devolver aos cofres públicos o valor total do contrato, se este não é superfaturado e foi fielmente cumprido – mas apenas o lucro auferido; não se pode ser responsabilizado por infração a certos deveres impostos aos administradores, se não se provar o dolo; não há dano ao erário presumido, mas apenas o efetivo.

A luta judicial permanece em função de outras teses que defendemos, dentre as quais merecem destaque: (a) impossibilidade de nomeação de administrador dos bens do réu; (b) impossibilidade de condenação sem descrição exata da conduta e do elemento subjetivo (dolo ou culpa); (c) ilegalidade de enquadramento do réu em dois tipos diferentes de ato de improbidade administrativa; (d) redução da indisponibilidade de bens ao alegado dano e exclusão das multas; (e) impossibilidade de uso de escuta telefônica autorizada pelo juiz criminal na área cível; (f) impossibilidade de cassação de mandato de parlamentar ou de Chefe do Executivo por ato judicial, pois há invasão da esfera de Poder da Assembleia Legislativa ou da Câmara Municipal; (g) impossibilidade de afastamento de mandato de parlamentar ou de Chefe do Executivo por ato judicial, pois tal ato comete invasão na esfera de poder da Assembleia Legislativa ou da Câmara Municipal e (h) prescritibilidade do dano ao erário em cinco anos.

A jurisprudência, graças à combatividade incessante dos advogados, vai se tornando mais justa e mais equânime, mais distante das pressões e se afastando de um nivelamento tout court dos envolvidos, na maioria das vezes nefasto e aético. Contudo, muito ainda há para se aperfeiçoar nessa área da Ciência Jurídica, a fim de se separar o joio do trigo e se atingir uma dosimetria mais justa das sanções, sempre que devam ser aplicadas.

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