
Resenhas dos Artigos
Lei de Improbidade Administrativa Reformada
por Antonio Araldo Ferraz Dal PozzoCom participação do corpo técnico do escritório Dal Pozzo Advogados
Brevemente uma obra sobre a Nova Lei de Improbidade Administrativa será publicada pela Revista dos Tribunais, contendo artigos de vários estudiosos e juristas, dentre os quais aqui destacamos os que integram o corpo jurĂdico do escritĂłrio Dal Pozzo.
Sobre a Indisponibilidade de Bens na Lei de Improbidade Administrativa, escreveram Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo e Mário Henrique de Barros Dorna, que iniciam suas reflexões traçando um panorama legal sobre os atos de improbidade administrativa a partir da Constituição Federal de 1988. Em seguida, percorrem as normas do CĂłdigo de Processo Civil a respeito das tutelas provisĂłrias, pois nova redação da Lei de Improbidade Administrativa alterou substancialmente o sistema da lei revogada: tornou ultrapassada a concepção reinante na jurisprudĂŞncia, que entendia nĂŁo ser necessária a demonstração do perigo da demora, passando a exigir a presença dos tradicionais requisitos das medidas cautelares, isto Ă©, do fumus boni iuris e do periculum in mora, para a decretação da indisponibilidade de bens. A nova lei tambĂ©m reestabeleceu limites ao prever, textualmente, que nĂŁo pode ser incluĂdo o valor da multa civil para efeito de indisponibilidade de bens e ela somente alcançará o quantum referido na petição inicial do MinistĂ©rio PĂşblico e atribuĂdo a cada sujeito passivo, atĂ© porque tambĂ©m nĂŁo há responsabilidade solidária pelo valor do somatĂłrio dos pedidos cumulados. A nova lei inovou ao estabelecer a ordem dos bens a serem indisponibilizados de maneira distinta da que prevĂŞ o CĂłdigo de Processo Civil. Novas regras sobre a indisponibilidade e o litisconsĂłrcio passivo sĂŁo bem analisadas, assim como o que a lei nova chama de indisponibilidade de bens de terceiro e o instituto da desconsideração da personalidade jurĂdica. Interessantes reflexões a respeito da pessoa jurĂdica como coautora do ato de improbidade administrativa colocam novas luzes a respeito dessa delicada questĂŁo, para se saber quando ela pode ser responsabilizada pelo ato ilĂcito. TambĂ©m a questĂŁo da substituição da garantia real, que tantas vezes foi recusada no passado, Ă© revisitada em face das novas disposições legais. Os autores examinam as causas de indeferimento da medida de indisponibilidade e o recurso cabĂvel. O artigo traz recentĂssimas decisões sobre os temas destacados, de maneira que será de grande utilidade nĂŁo apenas para entendimento acadĂŞmico do instituto como tambĂ©m para sua utilização prática.
Os mesmos autores (Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo e Mário Henrique de Barros Dorna) escrevem sobre a Prescrição na Nova Lei de Improbidade Administrativa, tema que recebeu uma nova disciplina jurĂdica, com implicações complexas, que eles desembaraçam e cuidam de dar aplicação prática. A aparĂŞncia simples das normas engana: elas formam um sistema equilibrado, muito superior ao antigo, mas exige cuidados hermenĂŞuticos trazidos Ă luz pelos autores. A vinculação estreita entre o instituto da prescrição e o Estado de Direito Ă© um ponto de partida fundamental, pois este exige segurança jurĂdica e defesa da confiança legĂtima — cujos princĂpios constitutivos se espraiam por todo o Direito e se conectam formando uma rede de interações onde se destaca a prescrição. O conceito e a natureza jurĂdica da prescrição sĂŁo examinados detidamente. TambĂ©m Ă© passada em revista a jurisprudĂŞncia dos Tribunais Superiores referente Ă imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário, tese com a qual os autores nĂŁo concordam. A prescrição suscita importantes questões de direito intertemporal: a irretroatividade da lei e situações protegidas (direito adquirido, ato jurĂdico perfeito e coisa julgada); a retroatividade da lei benigna. A caracterização da prescrição como de natureza processual (como preferem os autores) conduz Ă aplicação imediata do instituto aos processos pendentes. SĂŁo analisadas as hipĂłteses de aplicação da prescrição normal (de oito anos) e da prescrição intercorrente (de quatro anos), tendo em vista a Ăşnica causa de suspensĂŁo previstas e as inĂşmeras causas de interrupção do lapso prescricional, bem como as hipĂłteses de contagem da prescrição intercorrente. O artigo tangencia a prescrição e o ato de improbidade administrativa praticado por vários agentes e casos conexos, a sentença (de mĂ©rito) que reconhece a prescrição, assim como a relação entre os prazos para o inquĂ©rito civil e a prescrição. Como se observa, pela simples enumeração dos itens abordados, a prescrição nĂŁo Ă© um tema simples e a leitura do artigo certamente motivará o leitor a refletir sobre a matĂ©ria e o ajudará a melhor aplicar a lei.
Augusto Neves Dal Pozzo, Percival JosĂ© Bariani Junior e JoĂŁo Negrini Neto enfrentaram o tema O Regime JurĂdico do Acordo de NĂŁo Persecução Civil na Lei de Improbidade Administrativa, a partir do exame das origens do instituto, ressaltando que esse ajuste foi considerado, por muito tempo, como antĂpoda Ă tutela do interesse pĂşblico, que nĂŁo poderia ser satisfeito mediante transações. Todavia, esse pensamento acabou cedendo lugar ao entendimento de que o litĂgio pode ser mais nefasto ao interesse pĂşblico que o acordo. Examinadas as marchas e contramarchas do instituto na legislação, chega-se Ă edição da Lei nÂş 14.230/2021, que modificou a Lei de Improbidade Administrativa e o introduziu definitivamente em nossa ordem jurĂdica. Hoje a Lei de Improbidade Administrativa traz requisitos e condições legais para os chamados ANPC — Acordos de NĂŁo Persecução Civil, os quais sĂŁo examinados, um a um. O ressarcimento integral do dano recebe justas crĂticas dos articulistas. Em primeiro lugar, porque contraria o espĂrito do CĂłdigo de Processo Civil — que Ă Lei de Improbidade Administrativa se aplica subsidiariamente — pois a legislação codificada busca alcançar acordo entre as partes de qualquer maneira. Presente essa orientação do nosso principal sistema processual, ponderam os autores que, diante da impossibilidade de o rĂ©u ressarcir o valor total do dano, deveria ser permitido um ajuste parcial. Apesar dessa omissĂŁo, os autores afirmam que a nova LIA trouxe melhores normas para a avaliação dos danos, e, ainda, muito bem-vinda exclusĂŁo da multa e o desconto do valor do serviço prestado ou da obra realizada, evitando-se o enriquecimento ilĂcito da administração, compensação que, todavia, a jurisprudĂŞncia nem sempre admitia. Quanto Ă necessidade de ser ouvido o Tribunal de Contas a respeito do valor do acordo, entendem os autores que o prazo Ă© por demais exĂguo (90 dias). Entendem que, vencido esse lapso temporal, deverá prevalecer o valor apurado pelo MinistĂ©rio PĂşblico e aceito pelo rĂ©u: o ANPC nĂŁo poderá ser questionado a esse respeito, por força do princĂpio da confiança legĂtima. Segundo os articulistas, a Lei de Improbidade Administrativa deveria ainda prever que o acordo impediria outra condenação administrativa pelo mesmo fato, inclusive pelo CADE. Assinalam que os requisitos exigidos pela Lei de Improbidade sĂŁo exigĂŞncias mĂnimas, o que significa que as normas jurĂdicas elaboradas pelo prĂłprio MinistĂ©rio PĂşblico poderĂŁo impor outras exigĂŞncias. Criticam a necessidade do ente federativo lesado se pronunciar, pois a legitimação exclusiva do MinistĂ©rio PĂşblico para a ação por ato de improbidade administrativa o torna substituto processual daquele ente e, por dispor de independĂŞncia funcional, Ă quele nĂŁo está vinculado. Todavia, os autores entendem que se o ANPC for ilegal o ente lesado poderá propugnar pela sua ilegalidade. A necessidade de homologação do acordo pelo ĂłrgĂŁo competente do MinistĂ©rio PĂşblico nĂŁo seria necessária sempre que celebrado em instância judicial, bastando, entĂŁo, a homologação pelo juiz. PorĂ©m, aplaudem essa homologação se o ANPC for celebrado em instância extrajudicial, para maior segurança e controle. Partindo da premissa que as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa sĂŁo de natureza administrativa e, pois, que devem estar em consonância com as finalidades protetivas do interesse pĂşblico, que caracteriza o Direito Administrativo, concluem que a possibilidade de se realizar o acordo atende a esse escopo: “O interesse pĂşblico nĂŁo se exprime somente com a imposição de sanções. Em muitas oportunidades, o interesse pĂşblico pode (ou deve) ser alcançado a partir de acordos de nĂŁo persecução”. Essa visĂŁo geral do artigo evidencia a sua utilidade doutrinária, a iluminar os caminhos da prática forense.
Evane Beiguelman Kramer enfrentou o tema O Novo Codex Processual da Lei 8.429/92. Os principais pontos e questões processuais que agora constam da nova Lei de Improbidade Administrativa sĂŁo examinados com grande percuciĂŞncia. Nesse novo panorama legal, o MinistĂ©rio PĂşblico surge como dominus litis exclusivo e o rito procedimental será o comum, previsto no CĂłdigo de Processo Civil. A lei fixa competĂŞncias concorrentes entre o foro do local em que ocorreu o ilĂcito e o foro da sede da pessoa jurĂdica prejudicada. Acolhe o instituto da conexĂŁo para efeito de reuniĂŁo de processos. A petição inicial mereceu especial atenção, com referĂŞncia (pedagĂłgica) aos requisitos do art. 319 do CĂłdigo de Processo Civil. Regras esparsas sĂŁo muito mais exigentes quanto Ă formulação da causa de pedir, devendo o autor individualizar o enquadramento das condutas num Ăşnico tipo de ato de improbidade administrativa, evidenciar o dolo e, se for o caso, estimar o dano ao erário atribuĂvel a cada sujeito passivo da ação. Desde logo, na inicial, pode o autor solicitar audiĂŞncia para tentativa de conciliação. Conquanto o autor da ação seja o MinistĂ©rio PĂşblico, acentua a Nova Lei que ele deve respeito aos princĂpios da boa-fĂ© processual. O agravo de instrumento se torna recurso cabĂvel contra todas as decisões interlocutĂłrias. A nova redação reafirma o princĂpio do ne procedat iudex ex officio, vinculando o magistrado Ă causa de pedir do autor — matĂ©ria que já seria assim determinada pelo ordenamento jurĂdico, mas que, didaticamente, o legislador quis deixar expressamente disciplinada. TambĂ©m a Lei de Improbidade Administrativa amplia as causas de nulidade da sentença, considerando a especificidade da ação por ato de improbidade administrativa. O instituto da intervenção de terceiros está previsto e disciplinado. O rĂ©u tem o direito de ser interrogado. A Nova Lei traz para seu âmbito de incidĂŞncia a desconsideração da personalidade jurĂdica. No que tange ao dispositivo que permite ao juiz “reclassificar” a ação por ato de improbidade administrativa, caracterizando-a como ação civil pĂşblica, várias questões sĂŁo levantadas pela articulista, que levam o leitor a meditar mais profundamente sobre o tema. Ressalta que nĂŁo houve alteração quanto ao sistema dos honorários advocatĂcios sucumbenciais, embora, segundo a autora, o legislador devesse ter alterado a antiga sistemática, pois agora, definitivamente, a ação por ato de improbidade administrativa se desvinculou da ação civil pĂşblica, a cujo regime o sistema anterior era adequado. A processualista consegue enfocar e desvelar os pontos mais importantes de natureza processual na Lei de Improbidade Administrativa.
Paulo Henrique Triandafelides Capelotto e Roberto Ricomini Piccelle, este Ăşltimo nĂŁo integrante do Dal Pozzo Advogados, escrevem sobre A ExclusĂŁo da Culpa nos Casos de Dano ao Erário e as ConsequĂŞncias da Lei no Tempo. Começam por elogiar o legislador, que excluiu a modalidade culposa para a prática do ato de improbidade administrativa, mas de pronto levantam a questĂŁo de Direito Intertemporal, formulando a seguinte indagação: “a exclusĂŁo da culpa do tipo previsto no art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa (casos de danos ao erário) deve ser aplicada retroativamente ou deve ser materialmente reservada para os casos ocorridos apĂłs o advento da novel legislação? Frisam, de inĂcio, que segundo a jurisprudĂŞncia anterior, apenas a culpa grave deveria justificar a tipificação do ato de improbidade administrativa, matĂ©ria hoje ultrapassada pela lei, que exige o dolo. No entanto, mesmo antes das alterações da Lei de Improbidade Administrativa, e especificamente no contexto do direito administrativo sancionador, escrevem os autores que há muito o Superior Tribunal de Justiça reconheceu, corretamente, que “(…) o princĂpio da retroatividade da lei penal mais benĂ©fica, insculpido no art. 5Âş, XL, da Constituição da RepĂşblica, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador”. Assim, os autores concluem pela aplicação retroativa da lei mais benĂ©fica, mas apontam outra questĂŁo relevante: “haveria, afinal, uma espĂ©cie de abolitio (criminis) da hipĂłtese de improbidade lastreada na culpa grave do agente?” E eles assim respondem: “em consequĂŞncia, havendo a abolição da forma culposa para a imposição das sanções, nĂŁo apenas para as condutas posteriores ao advento da inovação legislativa, isto Ă©, a partir de 25 de outubro de 2021, mas para todos os atos que pudessem ser enquadrados como Ămprobos em momento anterior Ă referida data e que teriam ensejado a condenação do agente pĂşblico e dos particulares que houvessem concorrido para o ato”. As conclusões dos autores sĂŁo muito importantes e com certeza o leitor que opera na área de improbidade poderá colher preciosas indicações para seu trabalho forense.
Raphael Leandro Silva e Diego Farah Ferrero tambĂ©m examinam a questĂŁo da indisponibilidade de bens (Da medida de indisponibilidade de bens apĂłs a entrada em vigor da Lei nÂş 14.230/21). Dadas as profundas alterações sofridas pela Lei nÂş 8.429/92 na área examinada pelos articulistas, estes principiam recordando a antiga concepção jurisprudencial, segundo a qual em matĂ©ria de indisponibilidade de bens o periculum in mora estava implĂcito, de maneira que bastava, para seu deferimento, a sua mera probabilidade teĂłrica. Mas, com a nova lei, esse entendimento restou superado — agora estamos no campo das tutelas provisĂłrias de urgĂŞncia e nĂŁo mais, como se dizia, na esfera da tutela de evidĂŞncia, que justificava a linha da jurisprudĂŞncia dominante: agora se exige o fumus boni iuris e a probabilidade de dano para o resultado do processo, ao teor do art. 300 do CĂłdigo de Processo Civil. Depois de discorrerem sobre esses requisitos, advertem os autores sobre o disposto no art. 296 do CĂłdigo de Processo Civil (revogação ou alteração da medida a qualquer tempo) e oitiva do rĂ©u em cinco dias, salvo se essa providĂŞncia puder comprometer a realização da prĂłpria medida. A indisponibilidade, de outro lado, poderá ser deferida inaudita altera parte. Recordam, ainda, da elogiável disposição da nova lei que exclui o valor da multa do quantum a ser indisponibilizado. Os articulistas realizam exame meticuloso sobre a possibilidade de substituição da indisponibilidade de bens por seguro-garantia, que anteriormente quase sempre era indeferida pelos juĂzes. Eles tambĂ©m examinam a delicada questĂŁo da responsabilização de sĂłcio de pessoa jurĂdica. Consideram a ordem de bens preferenciais para a indisponibilidade e a ponderação judicial sobre os efeitos práticos da decisĂŁo, linhas diretivas da nova lei, tendo em vista episĂłdios recentes e conhecidos nessa área. Por fim, concluem os autores que “da leitura da nova lei Ă© possĂvel verificar a preocupação do legislador em definir melhor os requisitos e a forma de aplicação da medida [de indisponibilidade de bens], evitando, assim, a prolação de decisões arbitrárias, muitas vezes embasadas em conceitos jurĂdicos indeterminados e sem levar em conta os efeitos práticos do deferimento da medida, prejudicando, muitas vezes, a prestação dos serviços pĂşblicos”.
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